quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Do Começo Ao Fim: para sonhar sem pensar



O longa de Aluizio Abranches vem ao mundo carregando um grande peso nas costas. O público gay ficou em polvorosa desde o vazamento precoce do vídeo promocional (que foi acessado por mais de 700 pessoas em apenas duas horas) e passou a depositar nele expectativas bastante altas. Além disso, o assunto central - a relação de dois irmãos que crescem juntos e descobrem que se amam - é polêmico e merece um tratamento cuidadoso.

Para dar conta do recado, o diretor optou por um caminho fácil: focou seu olhar exclusivamente no romance entre os rapazes, isolando-os do mundo ao seu redor. Após um olhar carinhoso sobre a infância de Francisco e Tomás, a narrativa sofre um abrupto corte de 15 anos, os dois protagonistas subitamente percebem o que sentem um pelo outro, e a partir de então passam a viver numa bolha de amor. Nessa fantasia, não há espaço para dilemas ou conflitos: a relação é, no mínimo, improvável, mas não enfrenta nenhum tipo de hostilidade ou obstáculo. O fato de os dois serem irmãos parece ficar em segundo plano e não ter grande importância.

Do Começo ao Fim tem muitos predicados. É superdelicado, tem belos cenários, fotografia e trilha sonora caprichadas. Julia Lemmertz (cada vez mais bonita) está impecável como a mãe dos rapazes. Amorosa e sensível, ela nem precisa de texto para expressar sua ternura - bastam-lhe os olhos e o sorriso. A love story é contada com doçura e intensidade: a declaração de amor (picotada no trailer) que Francisco faz para Tomás é tão bonita que dá para escrever e pendurar na parede; a seqüência dos dois dançando tango nus, embora curta, é marcante. O novato João Gabriel Vasconcellos se saiu muito bem como o irmão mais velho, Francisco, e parece ter um futuro promissor como galã.

Por outro lado, alguns diálogos são sofríveis (sobretudo os da "fase infantil", que soam completamente artificiais) e, se você não for do tipo sonhador, que se deixa levar pela fantasia, talvez comece a apontar vários furos e inverossimilhanças, aqui e ali. Por sorte, sou um romântico incorrigível e meu lado menininha falou mais alto. Como uma parte de mim sempre quis ser o "filhote", sempre procurou um homem um pouco mais velho que cuidasse de mim, me desse carinho e me protegesse, eu me identifiquei com a fantasia proposta e consegui me render à delicadeza da história, deixando o senso crítico de lado. Mesmo assim, senti falta de um fecho à altura: achei que o filme terminou "meio de qualquer jeito".

Para quem simpatiza com histórias água-com-açúcar, Do Começo ao Fim certamente vale o ingresso. Pela forma limpa de mostrar o desabrochar da sexualidade, o filme será uma referência positiva para adolescentes gays, que ainda estão se descobrindo (assim como o fundamental De Repente Califórnia). Às vezes, tudo o que precisamos é de um pouco de fantasia: muitos gays encherão os olhos com a beleza dos atores, e se permitirão sonhar com Francisco e Tomás. Mas não sei se o filme conseguirá convencer um público mais amplo. Não por ter incluído os temas homossexualidade e incesto, mas por ter dado a eles um desdobramento raso, desperdiçando a chance de ser um filme muito maior. No fim das contas, passado o encanto inicial, fica a sensação de que o diretor poderia ter ido mais longe.

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