segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O Vagabundo & O Estranho Mundo da Commedia dell'Arte (Parte 3)


Jack estava a andar por quase um dia sobre uma estrada escarpada. O sono e a fome discutiam por quem primeiro mereceria a atenção do vagabundo. A cada movimento percorrido o caminho tornava-se mais íngreme. Seus pés faziam uma dança que seu espírito não tinha ânimo para bailar. Uma balada alegre tocava ao longe e o incomodava a cada passagem doce de suas notas; ele não sabia o nome daquela música, mas já a ouvira antes, tinha certeza. Lembrava que na época ela descia por sua alma como um bom líquido doce descia por sua garganta, não só matando a sede, mas o cansaço da rotina.
Uma discussão fazia-se ouvir cobrindo a música, mas a peça musical foi quem chegou primeiro a seus ouvidos, creio que ao tentar vencer uma corrida desesperada contra aquele barulho que parecia irresoluto e irritante.
Sobre uma mesa redonda, um soturno tucano caolho, um gato negro robusto e debochado e um peixe com ar de altivez no íntimo de um aquário, contestavam sobre uma ária que tocava de uma Jukebox.
- Tarde demais, tarde demais! Não aceito desculpas por ser tão estúpido, seu gato idiota. – gritava o peixe com um olhar superior, mirando os dois de cima enquanto nadava de um lado para outro no pequeno aquário – Não o perdoarei por comparar uma Ária de Bach a qualquer sinfonia de Bethoven, e por sua inconstância em manter opiniões musicais sem nenhum aprofundamento teórico ou prático.
- A propósito peixe: quem te pediu desculpas? E pra teres um grande aprofundamento teórico ou prático como julgas, responda-me antes: que instrumento musical consegues tocar dentro deste limitado lugar que habitas; não ocupado apenas por sua arrogância sem cabimento? – perguntou o gato enquanto banhava-se com a língua, despreocupado. -Pois para trazer à baila uma sinfonia de Bethoven apresentada com um pronome “indefinido” como “qualquer”, suponho eu que o senhor deva ter um total conhecimento no assunto discutido para acentuar tal desdém. Eu mesmo só uso este pronome nesta condição quando estou numa situação parecida na qual exemplifico. Veja, alguém me pergunta: comeste o quê hoje? E eu respondo: Um peixe “qualquer”.
O peixe assustado arregalou os olhos para o gato que lambia os lábios com um sorriso sarcástico, o único habitante daquele minúsculo mundo aquático, começou a tremer e não era de frio sabia o gato.
- MEEEEEU DEEEEEUS – berrou o tucano com uma voz bem aguda – temos visitas ou a visita que nos tem?
O gato e o peixe acordaram do hesitante transe temporário e olharam em direção ao visitante.
- Oh, meu Deus! É um daqueles objetos que tem coração?- indagou o peixe ironicamente – Olha como ele anda; carrega consigo o castigo do amor, pobre otário!
- Um coração? – perguntou a ave caolha .– Será por isso que ele AMA?
- Não, é por isso que ele ANDA! – respondeu o gato ao ignorar o tucano e o peixe e a encarar, em seguida, desafiantemente, o vagabundo.
- Deus!Procuro Deus – disse Jack como se não falasse a anos: e a anos realmente não falava.
Então todos da mesa riram. O tucano mais exagerado riu e zombou com gritos.
- Posso te dar algo melhor?– disse o gato ao se conter e abrir um sorriso sem dentes e macabro num instante depois.
A chuva passou a correr na direção deles, e a canção que ela trazia era triste.
...

Guilherme Di França

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