segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O Vagabundo & O Estranho Mundo da Commedia dell'Arte (Parte 1)


O vagabundo cansado caminhou muito, não dormiu nada...
Carregava algumas mentiras para trocá-las por comida.
Negociou com o demônio sua vinda, em troca de seu sorriso.
Seu belo sorriso: como o demônio o invejava!
Prometeu a si mesmo que o conseguiria de volta, mas o que tinha por enquanto era algumas mentiras no seu bolso; mentiras que conseguiu fabricar sem muito esforço.

Na noite anterior, uma geladeira o convidou para uma conversa ao observar passar cabisbaixo pela solitária rua, na qual ela descansava sentada em uma pedra; geladeira fumava um charuto e cantarolava: Enjoy the silence do depeche mode. Ele a olhou com desconfiança e ela com um sorriso cínico. Repetia a parte mais grudenta da canção.
- Não lembras de mim? Costumava roubar de mim leite quando tua mãe lavava roupas no quintal. - Apresentou-se a geladeira
O vagabundo continuou a observá-la.
- Como caminhas pelo mundo do homem, sem o teu bom senso? Lembras que o perdeste? Sem ele estará perdido. Nessas terras andarás só e não aceitará conselho: agirás por impulso, se apaixonará facilmente e se tornará escravo de algo que julgarás erroneamente por amor.
O vagabundo olhou com desprezo a geladeira que feria seus pulmões com aquela fumaça nada agradável e voltou à estrada. A geladeira gritou seu nome.

-JACK!
Jack: era assim que seus amigos o chamavam. Os amigos? Os amigos? Amigos: palavra estranha para seu coração já tanto costurado por linhas de chochê.
- Jack, tome! Sei que está com fome.Guardo comigo o bom senso de um louco que amava as pessoas; não é um bom senso confiável, mas é melhor que nada disse a geladeira, oferecendo alimento.
O vagabundo aproximou-se da geladeira e comeu o bom senso que ela guardava em suas grades, mais por fome de que por qualquer coisa. Fome que, com suas garras, ainda não largavam de seu ombro, que pesava quando caminhava. O sol caia como se sangrasse o céu e o coração do vagabundo...

Guilherme Di França

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